Em nossas experiências em situações de aula temos proposto, dentre outras atividades, as que chamamos de ‘Cartografia pregressa’, no caso, investigações sobre as trilhas que trouxeram o objeto/fenômeno e outros ao estado de ser atual. A ideia de cartografia pregressa é sobre os caminhos trilhados, estruturas concretas e subjetivas que levam as pessoas, objetos e fenômenos geográficos a se encontrarem na situação presente. Entendemos que as coisas não se encerram em si, têm toda uma cartografia experienciada, além das perspectivas de futuro.
Por exemplo, um simples boné utilizado por determinado estudante tem as suas representações culturais, artísticas e ideológicas. Em outros termos, ele não se encerra em si mesmo, ele passou por processos produtivos, de valorização e comercialização que envolve sistemas de objetos e sistemas de ações complexos.
Assim, a expressão “Cartografia pregressa” se aproximando dos princípios geográficos (atividade, conexidade, causalidade, extensão e analogia); dos princípios rizomáticos da decalcomania, da conexão e da multiplicidade quando evoca a ideia de mapeamento de momentos/processos (históricos, culturais, geológicos e outros) e circunstâncias (econômicas, geopolíticos, climáticas, trabalhistas, financeiras, ideológica e outras) que antecede o objeto/fenômeno na contemporaneidade.
Essa abordagem é útil para entender as mudanças ao longo do tempo, evoluções geográficas, transformações na paisagem e outros aspectos que influenciam a geografia de um lugar, região ou território. Ao examinar mapas antigos, por exemplo, os estudantes podem reconstruir padrões históricos de assentamentos, mudanças climáticas, uso da terra e muitos outros elementos geográficos. Portanto, a Cartografia pregressa propõe intensidades em movimentos potentes para o estudo da dinâmica temporal dos contextos geográficos dos objetos/fenômenos contribuindo para compreensão do ambiente físico/humano, espaço geográfico, quanto aos seus processos de construção, reconstrução, transformação e ressignificação.
Algumas possibilidades de mediações…
Na abordagem da cartografia pregressa sobre os conflitos entre Israel e Hamas, podemos propor um mapeamento histórico e territorial que pode permitir aos alunos visualizarem e conectar os eventos e contextos desde a diáspora judaica até os conflitos contemporâneos.
Quando ao fenômeno da diáspora judaica é possível fomentar a análise dos impactos dessa dispersão nas identidades e nas futuras aspirações de retorno à “Terra Prometida”, movimento sionista. Entre a diáspora e a fundação do Estado de Israel de Israel (1948) pode ser explorado fenômenos como a Primeira e Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.
Já entre a fundação de Israel e os conflitos desse país com o Hamas pode ser explorados e mapeados os sucessivos conflitos e como cada um impactou as fronteiras, na expansão territorial de Israel sobre territórios palestinos.
Em relação aos conflitos contemporâneos com o Hamas pode ser fomentada a análise sobre a formação do Hamas e sua posição nas relações israelenses-palestinas; estudar as principais disputas territoriais e políticas, especialmente na Faixa de Gaza e; conectar as demandas territoriais e políticas a um contexto histórico, enriquecendo a compreensão da complexidade atual.
O mapeamento pode ocorrer de forma interativa e colaborativa com a construção dos mapas ao longo do estudo. Pode ser exploradas fontes audiovisuais, documentários e imagens para contextualizar. As ideias para confecção dos mapas pode fluir da imaginação dos estudantes como obras artísticas, charges ou qualquer outra subversão à cartografia tradicional.
Nesse contexto, os debates e as reflexões são indispensáveis pois fomenta a conexão entre os conhecimentos prévios e as percepções dos alunos com a aproximação com o contexto histórico dos eventos. Mediações nessa perspectiva pode contemplar os princípios da Geografia (atividade, causalidade, conexidade, analogia e extensão) e promover uma compreensão rizomática e relacional do tema, desenvolvendo habilidades de análise crítica e visão histórica.
Essa mediação didática rizomática proporciona autonomia e protagonismo aos estudantes envolvendo-os em uma jornada investigativa e criativa sobre os ingredientes que compõem a culinária brasileira.
Os estudantes serão incumbidos da responsabilidade de pesquisar, mapear e apresentar as histórias dos alimentos. Ingredientes de uma receita por eles escolhidos será as linhas de fugar para construção de conhecimentos, oportunidade para conectá-los às suas próprias experiências e à identidade cultural de sua comunidade.
Como exemplo, podemos apresentar como inspiração, o prato, “galinha caipira com xerém e quiabo”, da culinária brasileira.
Esses três ingredientes exemplificam o sincretismo alimentar resultante do encontro de culturas indígenas, africanas e asiática (trazida pelos europeus) no território brasileiro. A galinha caipira, o xerém e o quiabo narram histórias de deslocamento, resistência e adaptação, compondo o que hoje reconhecemos como parte da identidade cultural do Brasil. O mapeamento desses elementos permite não só compreender a formação da culinária brasileira, mas também refletir sobre os processos históricos e as relações de poder.
Em perspectiva de projeto, as ações podem ser desenvolvidas em grupos, cada um com sua receita e respectivos ingredientes. A pesquisa segue com auxílio de diferentes fontes como por exemplo, como livros, internet (plataformas de indexação de produções científicas), entrevistas com familiares ou produtores locais. Se possível, organizar visitas a feiras, mercados ou propriedades rurais para entender a produção local.
Desse modo, as investigações podem ser fomentadas por questionamentos do tipo: Como os alimentos que consumimos hoje contam histórias do passado e refletem as trocas culturais? Assim, a pesquisa e mapeamento pode trazer a origem geográfica do ingrediente; o contexto histórico e trajeto desse intercâmbio até o Brasil e suas adaptações e usos na culinária brasileira.
Os grupos podem decidir como devem apresentarão suas descobertas em formatos que demonstrem criatividade e autonomia. Em caso de busca por sugestões, pode indicar: podcast ou vídeo contando a história do ingrediente; mural interativo ou exposição de mapas e receitas; dramatização ou encenação que narre a trajetória histórica dos alimentos; criarão mapas visuais (digitais ou manuais).
As dinâmicas sugeridas coloca os estudantes como protagonistas do processo de aprendizado, permitindo que eles conectem conteúdos históricos e geográficos às suas próprias vivências, promovendo autonomia e pertencimento. Ainda, pode levá-los a questionar que outros elementos culturais do nosso cotidiano também podem ser mapeados dessa forma?
Nesse horizonte, podemos criar expectativa de estudantes engajados, que desenvolvam habilidades de pesquisa, comunicação e pensamento crítico; capazes de produzir materiais autorais que demonstrem a compreensão dos processos históricos e culturais relacionados à culinária brasileira e; reflexivos quanto a importância da história e da diversidade cultural presentes nos elementos do cotidiano.
Essa proposta didática pode ser mediada a qualquer período do ano letivo, porém terá mais sentido e significância no início do verão, visto que, antecede os possíveis aumentos de casos de acometimento de doenças transmitidas pelo mosquito (Dengue, Zika e Chikungunya) e pode contribuir com reflexões e ações efetivas para o contate ao mosquito.
O trabalho de pesquisa e mapeamento sobre a migração do mosquito Aedes aegypti para o Brasil, utilizando a cartografia pregressa, pode contextualizar e explorar as narrativas histórico-geográficas e biológica.
Pode ser fomentada a pesquisa da contextualização histórica, como por exemplo, a origem e trajetória com intuito de conhecer a origem do mosquito e o contexto dos navios negreiros como veículos involuntários para sua migração, um intercâmbio biológico.
Para tanto, caso necessário, é interessante questionar sobre as rotas de tráfico e pontos de contato, uma forma de explorar os portos de desembarque no Brasil e locais onde o mosquito teria se proliferado. Pode ser utilizados mapas históricos das rotas de tráfico de escravos e como esses pontos se tornaram focos iniciais do Aedes aegypti no país.
Desse modo, os estudantes são incentivados a reinterpretarem esses mapas históricos para rastrearem a dispersão do mosquito pelo país ao longo dos séculos. Assim, observando mapas contemporâneos de incidência de doenças relacionadas ao Aedes aegypti é possível fazer comparações entre épocas para entender como a distribuição se alterou e quais as variáveis implicaram direta ou indiretamente nesse fenômeno.
Em mediação dessa natureza faz sentido propor discussões sobre as interrelações das dimensões social e ambiental, oportunizando reflexões sobre a relação entre essa migração biológica forçada e os contextos sociais, sanitários e ambientais do período, além de como a presença do mosquito impactou a saúde pública ao longo da história e; sobre os impacto contemporâneo, conectando a migração inicial do mosquito aos desafios atuais, como as mudanças climáticas e a urbanização, que influenciam na proliferação do Aedes aegypti nas cidades.
Como vemos vários mapas podem ser confeccionados com as mais diversas possibilidades e criatividade em representar os fenômenos investigados. Ou seja, os estudantes devem atuarem como protagonistas e com autonomia no processo criativo, nos surpreendendo com obras de artes fantásticas, charges, linhas do tempo, mapas digitais interativos, sonoros, documentários e outros.
Essa mediação didática conecta os estudantes com o processo histórico-social e biológico da migração do Aedes aegypti, ampliando a compreensão do tema por meio de experiências cartográficas interativas e integradas.
A sugestão de mediação didática busca compreender a formação e a importância histórica das bacias sedimentares no território brasileiro, correlacionando com os processos geológicos e socioeconômicos em uma perspectiva rizomática. Essa ideia é pensada para estudantes do ensino médio, porém pode adaptada a outros públicos.
O desenvolvimento das atividades pode ser iniciada com uma roda de conversa em que se problematize a formação do relevo e as conexões entre os recursos naturais e os processos históricos. As discussões podem atravessar uma diversidade de conteúdo, inclusive os conceitos básicos de bacias sedimentares, sua formação ao longo do tempo geológico e sua relevância para a exploração de recursos naturais como petróleo, carvão e gás oportunizando possibilidades de pesquisas.
Nessas linhas, emerge propostas de pesquisas-mapeamentos das bacias sedimentares brasileiras, considerando sua formação geológica e os processos históricos associados, como exemplo, origem geológica da bacia, recursos naturais presentes e sua exploração ao longo da história e impactos sociais, econômicos e ambientais.
Desse modo, sugere-se a divisão em grupos temáticos, onde cada grupo ficará responsável por estudar uma grande bacia sedimentar brasileira, como a Bacia Amazônica, Bacia do Parnaíba, Bacia do Paraná, entre outras.
Assim, os estudantes poderão a partir das suas criatividades criarem mapas que relacionem os aspectos naturais e históricos de cada bacia. Esses mapas podem vir com requinte tecnológico ou, por exemplo, manuais com espectro de cores para identificar os diferentes períodos geológicos; símbolos para representar recursos naturais explorados e; textos curtos ou imagens para destacar eventos históricos ligados à exploração dos recursos.
Na socialização dos resultados, cada grupo apresentará seu mapa para a turma, destacando os principais aprendizados e promovendo o diálogo sobre as interconexões entre as bacias sedimentares e o desenvolvimento do território. Após esse movimento, os estudantes poderão construir juntos um painel que interligue as bacias sedimentares, mostrando como os processos históricos, econômicos e geológicos se conectam em uma teia de relações.
Por fim, em nova roda de conversa, fomentar as reflexões partindo das inquietações e sugestões dos estudantes. Se necessário, problematizar como a exploração dos recursos naturais das bacias sedimentares impacta a sociedade contemporânea? E, quais desafios históricos e ambientais estão associados a essa exploração?
Como novas gemas, possibilidades, linhas de fugas, dentre outras, pode-se propor uma comparação entre a exploração das bacias sedimentares no Brasil e em outros países, estimulando reflexões sobre o papel do Brasil no cenário geopolítico global.
Mediação dessa natureza, que contextualiza a formação e exploração das bacias sedimentares com os processos históricos e sociais, enquanto promove uma prática rizomática, valoriza as interconexões do conhecimento.
Princípios da Geografia
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