Cartografia Decolonial

Invertendo e subvertendo os mapas

O movimento decolonial são linhas de raciocínios críticos que envolve uma diversidade de ideias e teorias críticas, que tem se destacado na América Latina, com o intuito de fuga da hegemonia eurocêntrica sobre o conhecimento. Segundo Moura (2022, p. 64), trata de “pensar outras epistemes, desde o sul/sur, na produção de conhecimentos e pensamentos que renunciem, de forma explícita e contundente, às generalizações uni-versalistas hegemônicas eurocêntricas/estadunidenses”.

Nesse sentido, Lourenço (2017) afirma que a América Latina tem vivenciado, desde o início do século XXI, um movimento marcado pela valorização, fortalecimento e desenvolvimento de novas epistemologias, as quais emergem das lutas em oposição ao eurocentrismo.

  Assim, a crítica à hegemonia eurocêntrico e estadunidense dos saberes, no movimento decolonial, trilha sobre a desconstrução do domínio sobre narrativas de conhecimentos que ignoram ou subordinam outras formas de conhecimento, desafiando a lógica unilateral de que estas representam uma universalidade. Desse modo, Moura (2022) destaca a necessidade de pensar a partir de epistemologias locais, ou seja, de perspectivas que partem do Sul Global. Isso inclui considerar o valor das histórias, culturas e lutas locais como bases para a construção de saberes. 

Enquanto, Lourenço (2017) observa que essas novas formas de saber são fortalecidas por movimentos sociais, culturais e acadêmicos que resistem à imposição de valores e padrões externos. Esse movimento é impulsionado pela resistência indígena, afrodescendente e outros grupos marginalizados que questionam a ordem mundial estabelecida.

Nesse prisma, o movimento decolonial não apenas denuncia as injustiças epistemológicas, mas busca abrir espaço para uma multiplicidade de vozes e perspectivas que foram historicamente silenciadas. Essa multiplicidade potencializa a cartografia, cartografia decolonial, que oportuniza novos olhares capazes de representarem as nuances dos sujeitos globalmente marginalizados.

 

Algumas possibilidades de mediações…

Mapeamento de comunidades quilombolas e povos originários

Por meio da cartografia decolonial em perspectiva rizomática sugerimos mediação didática que promova o reconhecimento da história e da territorialidade dos povos originários e afrodescendentes, destacando sua resistência, cultura e contribuição para a identidade do estado brasileiro.

Cabe fomentar as discussões acerca da cartografia decolonial, ou seja, uma prática de mapeamento que questiona narrativas eurocêntricas sobre o território brasileiro e americano, enfatizando vozes marginalizadas, como as dos povos indígenas e quilombolas.

Em diálogos, em situação de aula, podemos problematizar o que os estudantes sabem sobre os povos indígenas e quilombolas e qual o papel deles na formação e cultura do Brasil ou de algum estado específico? As contribuições e dúvidas sugerem movimentos de pesquisa possivelmente sobre a história da ocupação territorial; as relações com o meio ambiente, agricultura familiar, e luta por terras. Pode fluir também questões que oportunize trilhar as discussões e pesquisas sobre os quilombos urbanos e racismo ambiental.

Nessa perspectiva, sugerimos um mapeamento coletivo com os resultados das pesquisas em grupos, realizadas em sites confiáveis ou bases de dados, como por exemplo, do INCRA, da FUNAI e da Fundação Cultural Palmares. 

Os mapas podem ser representados sob a escolha dos envolvidos, todavia, quando couber, sugerir papel kraft, cartolina grande, Google Earth/Google Maps ou Padlet como opção.

Dentre os possíveis elementos a serem representados podemos esperar: localização dos quilombos ou tribos, inspirada em suas percepções espaciais; trilhas culturais e narrativas dos e expressões como (músicas, festas, tradições) além dos desafios contemporâneos enfrentados por essas comunidades. Os mapas podem ser produzidos de forma colaborativa e ser incorporados elementos artísticos, tais como símbolos, grafismos e/ou elementos visuais que representem suas identidades.

Por exemplo, na perspectiva de estudos sobre os povos Quilombola e adaptado para outros estudos, pode ser desenvolvido: 

  • Uma linha do tempo quilombola – Mapeamento sobre os marcos históricos relacionados aos quilombos, por exemplo, desde a formação do Quilombo dos Palmares até a luta contemporânea por direitos. Essa linha do tempo pode ser integrada ao mapeamento coletivo, vinculando eventos históricos às localizações geográficas;

 

  • Vivências QuilombolasPropor a análise e mapeamento de narrativas orais ou documentários que retratem a vida cotidiana em comunidades quilombolas. Os estudantes podem sintetizar suas reflexões em mapas conceituais ou infográficos;

 

  • Oficina de Arte e Cultura Quilombola Oportunizar uma oficina de produção artística inspirada nos grafismos, trançados e símbolos das comunidades quilombolas, utilizando técnicas como pintura em tecido ou colagem. Os materiais produzidos podem ser incorporados ao mapeamento coletivo;

 

  • Análise de Racismo Ambiental Dividir os estudantes em grupos para investigar, mapear e apresentar casos de racismo ambiental enfrentados por quilombos. Essa análise pode incluir mapeamento de áreas de risco e conflitos territoriais associados;

 

  • Trilhas Narrativas Criar narrativas em primeira pessoa, como se fossem membros de uma comunidade quilombola. Esses textos podem explorar temas como luta pela terra, práticas culturais e desafios contemporâneos. As narrativas podem ser associadas a pontos específicos do mapa coletivo;

 

  • Discussão sobre Políticas PúblicasFomentar um debate ou pesquisa sobre as políticas públicas que apoiam (ou prejudicam) os povos quilombolas, utilizando como base documentos do INCRA e da Fundação Cultural Palmares. Esses dados podem ser organizados em gráficos ou quadros comparativos.

Para elaboração e socialização (publicação) dos resultados pode ser utilizadas, dentre outras, as plataformas: StoryMap JS para criar mapas interativos que incorporem as pesquisas e narrativas dos estudantes. Link (https://storymap.knightlab.com/) e ou Canva para a criação de infográficos ou apresentações visuais que representem os elementos culturais quilombolas. Link (https://www.canva.com/pt_br/).

Nesse contexto, esperamos que os estudantes se aproximem das culturas de povos compreendem o papel central dos quilombos na construção do estado e da resistência cultural, utilizando a cartografia como ferramenta de valorização e empoderamento de narrativas locais.

Desenhando nossas vivências: mapas para além do Norte

A mediação pode ser iniciada com uma breve explicação como o mapa de Mercator foi usado durante o colonialismo para reforçar a centralidade da Europa e marginalizar outros continentes. Nessa análise, insimulando as discussões podemos questionar aos estudantes, por exemplo, “O que chama a atenção no posicionamento dos países?”; “O que é maior ou menor do que parece no mundo real?”

E enquanto desafio as percepções podemos apresentar um mapa invertido, por exemplo, o desenho a caneta e tinta criado em 1943 pelo espanhol/uruguaio Torres Garcia, que representa a necessidade de autonomia latino-americana na construção de conhecimento. Ou baseado na projeção de Peters (elaborada em 1973 pelo historiador alemão Arno Peters) para fomentar as discussões acerca de como ele apresenta o mundo de forma diferente.

Nessa perspectiva, a mediação didática utiliza a cartografia decolonial como uma intensidade para subverter a lógica cartesiana, permitindo que os estudantes cartografem elementos de seus cotidianos e comunidades, enfatizando carências, angústias e potencialidades. 

Nesse sentido, uma ação interessante é uma atividade de sensibilização, em que os educandos refletem sobre os trajetos que percorrem diariamente e os sentimentos associados a esses espaços. Em seguida, podemos apresentar conceitos de cartografia decolonial, destacando exemplos de mapas que valorizam perspectivas locais e subvertem olhares eurocêntricos.

Em atividade em grupos, os estudantes percorrem seus territórios para observar e registrar elementos importantes, como problemas sociais, espaços abandonados e aspectos positivos. Os registros podem ser feitos por meio de anotações, fotografias ou desenhos, destacando tanto aspectos tangíveis quanto intangíveis (as subjetividades). 

Com esses dados, os grupos produzem mapas subversivos e afetivos baseados em suas vivências, invertendo as hierarquias espaciais tradicionais. Nessa linha, pode ser utilizado aparatos digitais (plataformas e mapas interativos) ou materiais variados e acessíveis, como papel kraft, imagens impressas, recortes e desenhos, incorporando não apenas a geografia física do território, mas também memórias, emoções e aspirações.

Nesse horizonte, os estudantes elegem “centros” alternativos para seus mapas, como por exemplo, uma praça onde eles se encontram ou um mercado ou rio importante para a comunidade. Ou seja, a rosa dos ventos (pontos cardeais, colaterais e subcolaterais) não precisa ser a referência principal.

Desse modo, uma vez produzidos os mapas podem fomentar as discussões. Nessas oportunidades cabe propor questionamentos como:

  • Por que sentimos estranhamento ao ver o mapa invertido?
  • Quem decide o que está “em cima” ou “em baixo” nos mapas?
  • Como a posição dos continentes nos mapas tradicionais influencia nosso olhar sobre o mundo?
  • Quais histórias e territórios foram invisibilizados nos mapas tradicionais?
  • Como podemos criar mapas que reflitam a diversidade e riqueza das vivências locais?
  • Por que esses elementos elencados por nós são importantes para o mapa?
  • Como o nosso mapa difere dos que estamos acostumados a ver?

 

Essas e outras questões que certamente sai emergir das discussões demonstram o potencial latente para a realização de novos estudos, abrindo caminhos para aprofundamentos que promovam um olhar crítico e multifacetado sobre os temas abordados, contribuindo para a ampliação do conhecimento e para a construção de reflexões mais abrangentes e significativas.

Referências

 

LOURENÇO, Luiz A. F. Cartografias da decolonialidade: o ensino de geografia no bairro Maré. Giramundo, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 77-89, jul./dez., 2017. Disponível em: Cartografias da decolonialidade: o ensino de geografia no bairro Maré. Acesso em: 12 ago. 2024.

 

MOURA, Eduardo J. S. Uma cartografia da decolonialidade nas artes visuais da América Latina para pensar uma arte/educação decolonial. Arteriais, UFPA, v. 8, n. 14, jun., 2022. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/ppgartes/article/view/14752. Acesso em: 20 ou. 2024.

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