Cartografia Colaborativa

Tecendo redes de saberes e territorialidades

A cartografia colaborativa busca explorar os alcances e as limitações do culturalismo, especialmente no contexto das chamadas regionalidades culturalistas. Por meio de suas expressões e ações, os participantes revelam como a cultura de seu grupo se manifesta, evidenciando que esta não é fixa ou universal, uma vez que eles mesmos são agentes na construção cultural (Pereira, 2024). Essa abordagem diz respeito à partilha gratuita e colaborativa de dados espaciais por meio de dispositivos eletrônicos, como computadores e smartphones, e à criação de plataformas ou sites para o registro dessas informações (Martins Jr.; Silva, 2018). Esses projetos de Cartografia colaborativa, que contam com a colaboração dos indivíduos, são frequentemente direcionados a estudos, mapeamentos de territórios de povos originários. 

Todavia, apresenta potencial didático para mediações em aulas de geografia. A diversidade em sala de aula reflete um mosaico de culturas e experiências, onde as vozes das culturas periféricas e marginalizadas emergem como expressões autênticas de resistência e identidade. Essas culturas carregam histórias, saberes e práticas que enriquecem o ambiente escolar, desafiando narrativas dominantes e promovendo um espaço de aprendizagem inclusivo e plural. 

Na ótica de Gomes (2017, p. 108), “A autonomia e criatividade do professor são fundamentais para adequar as sugestões aos níveis de ensino e contextos educativos, assim como o uso de instrumentos tecnológicos, e de imagens mais complexas, também dependerá da disponibilidade e condições objetivas da escola”. Nesse horizonte, a escuta ativa em sala de aula e a valorização e incorporação dessas perspectivas é essencial para construir uma educação que reconheça e celebre as multiplicidades do tecido social.

Nesse contexto, a cartografia colaborativa em cenário de mediação didática, transcende a simples representação de dados espaciais, ao integrar dimensões culturais, sociais e educativas em sua abordagem. Os indivíduos, ao participarem em projetos colaborativos, não apenas mapeiam territórios, mas também narram suas histórias e reivindicam suas identidades. 

O uso, comumente, de dispositivos tecnológicos na partilha e registro de informações amplia a acessibilidade e o alcance desses projetos, potencializando seu impacto em diferentes contextos, como o mapeamento de povos originários e o enriquecimento do ambiente escolar. Nesse prisma, a prática da cartografia colaborativa demonstra ser mediações que promovem espaços de diálogo e inclusão, especialmente em aulas de geografia, onde pode fomentar reflexões sobre diversidade e resistência cultural.

Nessa perspectiva, segundo Penha e Melo (2016), a Cartografia colaborativa, em suas práticas, foi facilmente integrada ao ambiente escolar. Em determinada mediação, os autores investigaram as percepções e experiências dos indivíduos, especificamente alunos do 8º ano do ensino fundamental, em relação aos seus lugares. O estudo empregou ferramentas como os softwares de licença gratuita Google Earth e Google Maps, além de mediações em aula de campo, com registros fotográficos, anotações, confecção de croquis e discussões. Para os autores, essa mediação permitiu mapear sob a ótica dos envolvidos, o espaço de vivência, entorno da escola, bairro Presidente Médici, Campina Grande – PB.

Destarte, mediações com enfoque na cartografia colaborativa pode ofertar caminhos para uma pedagogia plural, rizomática. Sob a lente da escuta ativa e da criatividade docente e contribuições dos envolvidos, ela transforma a sala de aula em um espaço dinâmico e interativo de socialização de saberes e construção de conhecimento.

 

Algumas possibilidades de mediações…

Mapeando Histórias: construindo territórios de vivência e afeto

Essa sugestão de mediação se inspira em Habowski e Batista (2023), que mediaram um mapeamento colaborativo dos espaços de vivência de estudantes de Geografia da Universidade Federal de Santa Maria, para   compreender as relações sociais, econômicas e de lazer que eles vivenciam em Santa Maria (RS) e região. O projeto foi desenvolvido no aplicativo Canvise (https://br.pinterest.com/eenigenburgr/canvise/) e os pontos foram inseridos no QGIS 3.4.(https://qgis.org/download/). 

Para adaptar a mediação à realidade dos alunos da educação básica, é possível seguir uma abordagem semelhante à de Habowski, Petsch e Batista (2023), mas utilizando ferramentas mais acessíveis. A proposta consiste em estimular os estudantes a mapearem seus espaços de vivência, incluindo locais importantes para eles, como escola, praças, áreas de lazer ou outros espaços significativos. Essas ações podem ser documentadas em mapas mentais, anotações, registros fotográficos ou depoimentos.

Inicialmente, propomos introduzir o conceito de cartografia colaborativa de forma simples, explicando que se trata de um processo participativo onde cada indivíduo compartilha suas percepções e experiências sobre os lugares que frequentam, revelando aspectos sociais e culturais da comunidade.

Para realizar o mapeamento, ferramentas como Google Earth (https://www.google.com.br/earth/) e Padlet (https://padlet.com/account/setup) podem ser utilizadas. Com o Google Earth, os estudantes podem explorar imagens de satélite de seus bairros ou cidades e criar marcadores para os locais de interesse, enquanto o Padlet permite adicionar marcadores específicos, como imagens, áudios, desenhos ou vídeos dos espaços selecionados, promovendo maior interesse e consequentemente engajamento dos envolvidos.

Nesse contexto, as abordagens permitem o protagonismo dos estudantes no que tange a construção de um retrato colaborativo e significativo de seus territórios; reforça a conexão com o espaço em que vivem e; estimula a reflexão crítica sobre suas dinâmicas sociais e culturais. Ademais, os alunos desenvolvem habilidades tecnológicas ao utilizar ferramentas acessíveis como o Google Earth e o Padlet, e, ainda, compartilham experiências e fortalecem o senso de pertencimento à comunidade. 

Dessa maneira, a abordagem da cartografia colaborativa no processo de construção horizontal de conhecimento potencializa o ensino-aprendizado ao promover compreensões mais amplas e afetivas dos territórios dos indivíduos envolvidos e das relações que neles se estabelecem.

Tecendo mapas vivos: culturas marginalizadas no traço da cartografia

Essa mediação propositiva com enfoque na cartografia colaborativa em perspectiva rizomática se desencadeia a partir das vivências e experiências dos estudantes, em rodas de conversas é possível ampliar a percepção dos estudantes sobre as diversas expressões culturais que compõem a identidade de um lugar, cidade ou região. Assim como, perceber a existência de uma hierarquia das culturas, algumas mais valorizadas e privilegiadas e muitas vezes financiadas e, outras periféricas e marginalizadas.

Nesse sentido, através da abordagem da cartografia colaborativa, vislumbramos estratégias que visam integrar o conhecimento acadêmico com as realidades culturais vividas nas periferias e comunidades historicamente marginalizadas. 

Enquanto sugestiva, a mediação pode e deve ser adaptada aos interesses, as necessidades e a acessibilidade do público-alvo. Em determinada situação, os estudantes pode serem os pesquisadores e os investigados, do contrário, pode investigar outras realidades.

O trabalho pode ser realizado, no campo empírico, com a produção de conteúdos e valorização da história e das manifestações culturais das comunidades periféricas, promovendo a reflexão sobre os desafios, resistências e conquistas. Enquanto, com auxílio de recursos tecnológicos, audiovisuais e artísticos objetiva-se proporcionar aos estudantes uma compreensão mais ampla e inclusiva das culturas minoritárias e marginalizadas, incentivando o protagonismo e o olhar crítico diante da diversidade. 

Para desenvolver estratégias colaborativas esses lugares e territórios dos estudantes e/ou por eles investigados, serão explorados com a utilização de recursos tecnológicos, audiovisuais, fotográficos, artísticos e outros. 

Nesse horizonte, sugerimos algumas trilhas, linhas de fuga, que podem ser exploradas sem necessariamente obedecer a essa ordem: debates e valorização cultural, por meio de roda de conversa que fomente debates que incentivem a compreensão e a valorização das culturas minoritárias e periféricas, estimulando a inclusão dessas culturas no contexto educacional; mapeamento colaborativo, incentivando a aproximação com as manifestações culturais periféricas; produção audiovisual, estimulando a produção e o compartilhamento de conteúdos audiovisuais que retratem essas culturas; olhar crítico, questionando, escutando e mediando as discussões junto aos estudantes a respeito da diversidade cultural e perspectiva de desenvolverem um olhar crítico e sensível.

Enquanto movimentos de exploração do conteúdo cultural, os estudantes devem ter autonomia no processo, com os próximos passos guiados pela proximidade deles com as expressões culturais. Isso pode incluir: relatos orais e histórias, registros de áudios ou transcrição de histórias contadas por membros das comunidades; manifestações culturais, documentação de músicas, danças, gastronomia, festas, artesanato e outras expressões culturais; espaços de resistência, explorando localidades e coletivos culturais que mantêm viva a identidade periférica e; desafios e conquistas, investigação aceca dos problemas enfrentados por essas comunidades e suas vitórias.

Os processos de desenvolvimento do estudo e os registros dos resultados podem ser organizados e expostos de diversas formas, dependendo da realidade socioeconômica da escola e dos sujeitos envolvidos. Quando em registros fotográficos e narrativas: utilizar telefones móveis para captar imagens e relatos, com resultados expostos em cartazes, slides ou mapas mentais em papel A4 ou no caderno.

Se explorando a estrutura física escolar: organizar oficinas de Artes Visuais, como grafite e pintura de mural, para estimular talentos artísticos. Cabe ressaltar que o grafite é expressão artística urbana que decora muros e fachadas, sendo uma poderosa ferramenta de comunicação e protesto nas periferias. Já os a pintura de murais retratam a história, as lutas e a identidade das comunidades periféricas, inserindo as obras de arte na paisagem escolar e dando visibilidade às culturas historicamente marginalizadas.

Mas, se tiver acesso a plataforma digitais, orientamos a utilização do Padlet (https://padlet.com/account/setup), uma plataforma colaborativa na web, para organizar e expor os resultados. O template de mapa é recomendado para inserir as localizações dos fenômenos, facilitando a conexão com as experiências culturais e promovendo um guia cultural em rede. O Padlet permite a inclusão de diversos recursos audiovisuais, como:

  • Vídeos, imagens e documentários: incorpore materiais que mostram as expressões culturais das comunidades periféricas, produzidos pelos estudantes ou de fontes online;
  • Podcast de entrevistas (áudios): adicione podcasts com entrevistas de membros dessas comunidades, oferecendo uma visão em primeira pessoa sobre suas vivências;
  • Mapas interativos: crie mapas interativos que destacam as localizações das culturas periféricas na cidade.

Ainda no que versa sobre a interatividade e colaboração nos trabalhos, os estudantes devem ser incentivados a contribuírem com postagens no Padlet, compartilhando suas pesquisas e relatos sobre as culturas e explorando e comentando os trabalhos dos demais estudantes ou grupos; é importante as sessões de feedback colaborativo, promovendo debates críticos e; a colaboração contínua, mantendo o mapa aberto para edições contínuas, permitindo a adição de novos achados conforme a pesquisa avança ou mediante contribuição de usuários.

Essa teia de conexões em situação de mediação didática oferece uma abordagem detalhada para a implementação de estratégias que valorizam e promovem a inclusão das culturas minoritárias, periféricas e marginalizadas no ambiente escolar, enriquecendo o processo de ensino-aprendizagem e fortalecendo a identidade cultural dos envolvidos.

Cartografia Colaborativa: um olhar rizomático sobre a zona rural

Essa proposta de mediação, enfoque na cartografia colaborativa, é uma abordagem pedagógica que privilegia o diálogo e a participação ativa dos sujeitos do território em questão, promovendo o reconhecimento das dinâmicas locais e das relações entre as pessoas e o espaço. Nesse contexto, ao integrar moradores, suas vozes e relações identitárias, de uma determinada área da zona rural no processo de delimitação do uso do solo, este trabalho potencializa e valoriza os saberes populares, além de proporcionar a construção de leituras e intervenções desse território. 

A sugestão aqui descrita envolve a articulação entre os estudantes, enquanto mediadores e pesquisadores, e os moradores, enquanto fontes primárias de conhecimento, na construção de mapas coletivos. Essa prática pode enriquecer a compreensão geográfica dos estudantes e gerar produtos que podes ser úteis à própria comunidade, refletindo suas atividades, paisagens espaciais, necessidades e potenciais.

Aqui sugerimos trilhas, linhas de fuga, mutáveis e adaptáveis ao contexto e público. Assim, segue com a apresentação da ideia aos estudantes e discussão sobre o conceito e importância da cartografia colaborativa; sugerir grupos de trabalho, os grupos de organizam e detalham as atribuições e materiais, como a elaboração de roteiro de entrevista, materiais para registros fotográficos e anotações de dados, testes dos recursos de capitação de áudios e outros.

Quanto a pesquisa de campo, reconhecimento do território e levantamento de informações, sugerimos realizar visitas à comunidade rural, ouvindo os moradores sobre como utilizar o solo, as atividades principais (agricultura, pecuária, comércio etc.), suas rotas, estradas e referências espaciais, além, da identificação, junto aos moradores, dos mananciais de água e pontos de abastecimento e necessidades urgentes, como estradas em mau estado, áreas de risco.

Essas informações, também podem ser acessadas partir de mapas confeccionados pelos moradores, individual ou coletivo, onde seja desenhado desenhe, com base em suas percepções, um mapa que represente o território e as dinâmicas acima já mencionadas.

As análises dos mapas ou das informações das entrevistas e anotações, identificando semelhanças, divergências e lacunas. Daí a construção de um mapa único (analógico ou digital), que sintetiza todas as informações coletadas.

Com o mapa pronto, deve retorne à comunidade com o mapa consolidado para apresentá-lo aos moradores. Nessa ocasião, os indivíduos devem ser estimulados a comentarem e validarem o mapa, e, se necessário, fazer ajustes e complementações que possam aprimorar a representação do território.

A partir das falas, anotações e sugestões dos moradores, fazer os ajuste e alterações indicadas, refinando o mapa. Por fim, que pode ser um novo começo, disponibilizar, em momento de encontro coletivo, a versão final para a comunidade destacando sua praticidade e o valor do conhecimento coletivo na construção do produto.

Em suma, essa mediação didática pode fortalecer o vínculo entre escola e comunidade, além de proporcionar aos estudantes uma compreensão mais ampliada do espaço geográfico, das questões sociais e espaciais, e a relevância das interações humanas na configuração do território.



Referências

GOMES, Marquiana de F. V. B. Cartografia social e geografia escolar: aproximações e possibilidades. Rev. Bras. Educ. Geogr., Campinas, v. 7, n. 13, p. 97-110, jan./jun., 2017. Disponível em: http://www.revistaedugeo.com.br/ojs/index.php/revistaedugeo/article/view/488/230. Acesso em: 26 jan. 2024.

HABOWSKI, Jhennifer T. V.; PETSCH, Carina; BATISTA, Natália L. Uso da cartografia colaborativa para o mapeamento dos espaços de vivência de estudantes da geografia de uma universidade pública. Ateliê Geográfico – Goiânia-GO, v. 17, n. 3, p. 247–268, dez./2023. Disponível em: https://revistas.ufg.br/atelie/article/view/76265/40768. Acesso em: 10 nov. 2024.

MARTINS JR., Odair. G.; SILVA, Luiz F.C. F. da. Proposta de Hierarquia para Conceitos de Cartografia Colaborativa. Anuário do Instituto de Geociências, v. 41, n. 3, p. 560-567., 2018. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/aigeo/article/view/29752. Acesso em: 17 jan. 2024.

PENHA, Jonas M. da; MELO, Josandra A. B. de. Geografia, novas tecnologias e ensino: (re) conhecendo o “lugar” de vivência por meio do uso do Google Earth e Google Maps. Geo UERJ, n. 28, p. 116–151, 2016. Disponível em:  https://www.e-publicacoes.uerj.br/geouerj/article/view/13119/16421. Acesso em: 09 fev. 2024.

PEREIRA, Diogo B. A. Cartografia Colaborativa, Rizomas e Heterotopia: relatos de experiências das ciências humanas em uma escola de São Gonçalo. Journal Of Humanities And Social Science (IOSR-JHSS), v. 29, n. 1, p. 55-63, jan., 2024. Disponível em: https://abrir.link/bhCBI. Acesso em: 03 dez. 2024.

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