Mapeando emoções, sensações, memórias e histórias
Destoando dos mapas tradicionais, cartesianos, que buscam uma representação objetiva e padronizada, a cartografia afetiva oportuniza mapeamentos que vai além dos aspectos técnicos, trazendo à tona as dimensões emocionais, sensoriais e subjetivas dos lugares. Ela valoriza as percepções individuais dos estudantes, permitindo que cada um explore e expresse sea própria visão sobre o espaço em que vive.
[…] os alunos também fazem parte do espaço geográfico, possuem suas histórias de vida e singularidades que os fazem se apropriar do espaço de modos muito particulares, não presentes na cartografia oficial, e que podem, junto desta, ser aliados na leitura do espaço em sua volta (Queiroz, et al., 2023, p. 11).
Nessa abordagem, os educandos são incentivados a explorar os sentimentos, memórias e sensações associadas aos locais, utilizando recursos como mapas mentais, desenhos e diários de campo que expressam suas vivências. Mediações didáticas nessa perspectiva, possibilitam a criação de mapas que capturem a identidade dos estudantes que transita pelas emoções, lembranças e histórias pessoais. Assim, os educandos não só analisam perspectivas únicas sobre os lugares, mas também constroem uma consciência espacial mais profunda, humanizada e significativa.
Os espaços que as pessoas habitam são geradores de uma multiplicidade de dinâmicas ‘afetivas’ que vão além da topofilia – o amor pelo lugar –ou seu oposto, a topofobia e o medo. ‘Afetos’ – em um sentido mais amplo derivado da filosofia e da psicologia – tais como confiança, curiosidade, raiva, vergonha, nojo ou culpa frequentemente se formam através das relações espaciais” (Hutta, 2020, p. 64).
Corroborando essa ideia, Hutta (2020) afirma que embora os territórios não sejam vivenciados exclusivamente de maneira afetiva, os sentimentos também influenciam a habilidade de se apropriar ou abandonar uma territorialidade, isto é, de reconfigurar ou desfazer o vínculo com o espaço. Nessa lógica, as fronteiras políticas dificilmente coincidem com as fronteiras culturais, visto que, são impositivas e negligentes às nuances dos sujeitos (Lima, 2021).
Nesse rumo, mediações com a abordagem da cartografia afetiva, potencializa a construção de conhecimentos acerca das múltiplas manifestações geográficas, promovendo protagonismo dos sujeitos envolvidos, na medida em que, valoriza e explora o espaço vivido e fomenta a autonomia no processo de aprendizagem (Queiroz et al, 2023).
Algumas possibilidades de mediações…
As mediações podem ser iniciadas com aula expositiva dialogada discutindo o conceito de cartografia afetiva, que busca mapear sentimentos, experiências e percepções sobre o espaço. Enveredando pela sensação de violência, que não é uma medida objetiva, mas uma construção afetiva e socialmente condicionada. Isto é, não se trata de afirmar que os dados frios não represente a presença da violência de determinada área, mas refletir sobre lugares estereotipados e outros “maquiados”, socialmente protegidos.
Assim, as discussões envolvendo os estereótipos e percepções da violência pode ser estimulada em uma roda de conversa para que os alunos compartilhem como percebem a violência em diferentes bairros. Os diálogos podem enveredar pela discussão de como os estereótipos sobre determinados bairros podem influenciar a percepção da violência, especialmente entre pessoas que não vivem nesses locais.
O mapeamento afetivo pode se confeccionado de forma coletiva, com a divisão dos alunos em grupos. Esses, num mapa em branco da cidade ou bairro de interesse (em caso de cidade grande), registram com emojis, símbolos ou cores (atribuindo legenda) as áreas percebidas como mais ou menos violentas. É interessante que os estudantes sejam incentivados a incluir elementos afetivos, ou seja, emoções, memórias, experiências que influenciam essa percepção.
Essa mediação pode ser potencializada com a comparação entre as percepções de moradores e não-moradores. Em realização de pesquisa, a parir de entrevistas, entender como pessoas de dentro e fora do bairro como se construiu as percepções de violência, como cada grupo construiu sua visão de segurança ou insegurança.
A ideia é comparar os olhares internos (quem mora) com os externos (quem não mora), analisando junto a turma, onde cada equipe compartilha suas descobertas. Desse modo, as reflexões podem caminhar pela discussão de como as relações afetivas com o espaço impactam a vivência e a experiência da violência, trazendo à tona o papel dos estereótipos e das narrativas externas.
Em suma, essas mediações rizomáticas, mapeamentos, permitem que os estudantes entendam como a violência é mais que uma questão objetiva, sendo também uma questão de afeto e de representações culturais.
Pode iniciada a mediação didática com a introdução do conceito de cartografia afetiva, discutindo como os lugares podem ser mais do que simples espaços geográficos — eles possuem significados afetivos e emocionais. Ou, simplesmente adentrar as ações didáticas até que eles (os alunos) se percebam no espaço a partir de suas relações afetivas com a paisagem, territórios e lugares vividos, experienciados.
As mediações têm o interesse em desenvolver a percepção e o entendimento dos alunos sobre os espaços que frequentam, incentivando reflexões afetivas e emocionais sobre esses lugares. Dessa forma, nas dinâmicas das ações pode explorar a importância de conectar sentimentos e memórias aos lugares que fazem parte cotidiano dos alunos e como diferentes lugares podem evocar uma diversidade de sentimentos e memórias únicas.
Assim, as localidades pode ser visitadas a partir do imaginário do estudante, num esforço mental sobre as percepções emocionais dos seus lugares; em aulas de campo ou virtualmente com a utilização de recursos digitais, como por exemplo, o Google Earth.
Para o mapeamento das emoções, disponibilize aos estudantes mapas simples do bairro ou da cidade onde vivem, ou peça que desenhem um mapa a partir de suas lembranças e percepções dos lugares mais importantes para eles.
Cada aluno pode escolher alguns lugares que têm um valor afetivo importante (como a escola, a casa de um amigo, uma praça, etc.). Para cada lugar escolhido, o aluno deve identificar e anotar uma emoção ou memória relacionada, como por exemplo, “Casa da avó”, remetendo a segurança e carinho ou “Campinho da rua de cima”, com alusão ao entretenimento e brincadeiras. No mapeamento, eles podem usar diferentes cores, símbolos ou desenhos para representar essas emoções no mapa, criando uma codificação pessoal.
O compartilhamento e discussão dos resultados pode ocorrer em um momento coletivo, onde os alunos que compartilhem os lugares que desenharam e a emoção associada, explicando o porquê daquela escolha. Nesse rumo, socializar em discussões com a turma como cada espaço tem significados diferentes para cada um e como isso ajuda a entender melhor a subjetividade de cada pessoa.
Ou seja, fomentar as discussões sobre a importância dos lugares na formação de quem somos e como esses lugares contribuem para nossa identidade e memória. Desse modo, as mediações podem promover autoconhecimento, empatia e uma compreensão mais profunda da relação entre os espaços e nossas emoções.
Essa proposta de mediação didática é potente para conectar os estudantes com suas histórias e fomentar vínculos no grupo. A ideia é que cada estudante traga um objeto que represente um sentimento ou uma memória afetiva importante, gerando um espaço de compartilhamento e acolhimento.
É importante que o espaço seja preparado com o ambiente organizado de forma circular para promover igualdade e acolhimento e dispor de um mapa em branco ou uma representação simbólica no centro, onde as narrativas serão “mapeadas”.
A dinâmica pode ser iniciada com uma breve discussão sobre o conceito de cartografia afetiva, ou seja, na perspectiva de mapeamentos histórias e emoções a partir de objetos que carregam significado pessoal que trata a atividade. Ressaltar a importância do respeito e da escuta ativa durante as apresentações.
Na dinâmica de apresentação dos objetos, cada estudante apresenta seu objeto, contando a história por trás dele e como ele se conecta a um sentimento (saudade, alegria, amor, superação…). Enquanto cada história é narrada, os demais pode anotar excertos das narrativas ou desenhar símbolos que representem as emoções compartilhadas no “mapa central”.
Após todas as narrativas, organize as contribuições no mapa, traçando conexões entre histórias semelhantes, interligações entre os sentimentos e as narrativas, como por exemplo, as experiências de superação, desafios familiares, conquistas e outras.
Nessa atmosfera, em roda de conversa, oportunize reflitam sobre como foi conhecer as histórias uns dos outros s discuta como as histórias compartilhadas apresentadas para a construção de um ambiente de empatia e acolhimento.
Enquanto expectativa de resultados podemos vislumbrar: aproximação interpessoal, os estudantes terão a oportunidade de conhecer o fundo dos colegas, criando um ambiente mais solidário e inclusivo; reconhecimento das individualidades e coletividade, ao conectar narrativas, o grupo percebe como os desafios e conquistas individuais compõem a identidade coletiva e; valorização das histórias de vida, especialmente aquelas marcadas pela superação, ressignificando o papel das dificuldades no crescimento pessoal.
Essa abordagem pode ser mediada com qualquer público, todavia, atentar para os possíveis disparos de gatinhos traumáticos. Dependendo do caso, é importante, além da escuta ativa e do acolhimento, o direcionamento à profissionais competentes.
Em resumo, essa dinâmica em ação, também permite que os professores assumam um papel mediador, orientando o processo sem centralizar as trocas, respeitando o caráter rizomático, em que cada narrativa contribui de forma horizontal para o aprendizado coletivo.
Referências
HUTTA, Jan S. Territórios afetivos: cartografia do aconchego como uma cartografia de poder. Caderno Prudentino de Geografia, v. 2 n. 42 (2020): Volume Especial – Múltiplas Territorialidades e Microterritorialidades nas Cidades. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/cpg/article/view/7883. Acesso em: 06 nov . 2024.
LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. O meu bairro: um exercício de cartografia afetiva. RISCO, v. 19 (2021). Disponível em: https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/138595. Acesso em: 10 abr. 2024.
QUEIROZ, Emanuelton A. N. et al. Eletiva Cartografia Afetiva Geografia, Desenho e Amor Pela Cidade: práticas de ensino de geografia e história na escola municipal de tempo integral Professor Álvaro Costa. Anais… IX ENALIC, 2023. Disponível em: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/105303. Acesso em: 15 out. 2024.
Arquitetura hostil e cartografia afetiva | Jamile Borges
Oficina de Cartografia Afetiva | Mapa de Memórias Rolé Carioca
Cartografia Afetiva
Mapa Afetivo para alunos do IPC
oi